Por uma governança pública municipal

 



A importância da gestão pública para a consecução dos objetivos governamentais e concretização dos direitos estabelecidos na Constituição e leis brasileiras é inegável na medida em que as administrações, seja municipal, estadual e federal, têm um compromisso real de realizar tarefas para a melhoria da qualidade de vida dos cidadãos. 

De fato, a governança pública é um mecanismo que se afigura à disposição dos gestores para uma oferta de melhores serviços públicos e um avanço na qualidade das decisões político-governamentais para a efetivação de políticas que sirvam como instrumento de concretização de direitos essenciais à vida humana, como educação, saúde, lazer, assistência social, entre tantos outros.

A ideia de governança nasce em um momento de crise mundial fiscal dos anos 80 e 90, em que os Estados nacionais precisavam se readequar na condução das administrações públicas na afirmação de compromissos com o desenvolvimento econômico e proteção social, buscando uma superação do modelo e estrutura burocrática que eram então dominantes.

Dessa forma, os governos democráticos dos países, impulsionados pelo movimento para uma Nova Gestão Pública (New Public Manegement – NPM), buscaram, diante daquele momento problemático, estabelecer diretrizes para o enfrentamento da crise, tendo como consequência direta a contenção do gasto público, a reversão do declínio generalizado da confiança pública na efetividade das políticas públicas e na qualidade dos serviços públicos e o rearranjo da nova ordem internacional que passava a se preocupar com impacto sobre o que os governos faziam ou deixavam de fazer, no que tange as políticas públicas, gerando resultados não mais somente no âmbito domestico.

Nesse contexto, de análises das funcionalidades do Estado no atendimento adequado às demandas de uma sociedade complexa, propiciou o amplo debate sobre governança no setor público, com novas propostas e modelos de gerenciamento da coisa públicas (res publica).

Embora ainda não exista apenas um conceito, haja vista diversos pontos de partida sobre o tema, o Banco Mundial, em recente publicação (Relatório de Desenvolvimento Mundial 2017), define, mais especificamente a governança como “o processo por meio do qual atores estatais e não estatais interagem para conceber e implementar políticas públicas no âmbito de uma dado conjunto de regras informais que moldam e são moldados pelo poder.” 

No Brasil, os esforços sobre a instituição de uma política sobre governança foram encampados pelo Tribunal de Contas da União - TCU, publicando relatórios sobre governança pública, desde 2013, para nortear e direcionar os gestores, órgãos e instituições públicas bem como procedimentos, práticas e mecanismos para se alcançar a uma boa governança. Segundo o Relatório Básico de Governança Pública (2020), do TCU, esta se define como “a aplicação de práticas de liderança, de estratégia e de controle, que permitem aos mandatários de uma organização pública e às partes nela interessadas avaliar sua situação e demandas, direcionar a sua atuação e monitorar o seu funcionamento, de modo a aumentar as chances de entrega de bons resultados aos cidadãos, em termos de serviços e de políticas públicas.”

Caracteriza como objetivo central da governança “a melhoria do desempenho da organização para a geração de valor”, através de remoção de controles desnecessários, que se tornam barreiras para a entrega de resultados efetivos e éticos.

Em 2017, foi publicado o Decreto nº 9.203/17 da Presidência da República do Brasil, instituindo a política de governança pública, estabelecendo os princípios, mecanismos e práticas que devem ser implantados na administração federal brasileira.

A política está estruturada nos termos do conceito já apresentado no tópico acima e conceituado pelo próprio decreto em seu art. 2º, como um conjunto de mecanismos de liderança, estratégia e controle postos em prática para avaliar, direcionar e monitorar a gestão, como vistas à condução de políticas públicas e à prestação de serviços públicos de interesse da sociedade.

Desse conceito trazido pela norma, já se pode observar diversos aspectos que são importantes e que conformam o comportamento dos atores e instituições envolvidas. Ademais, extrai-se também a diferenciação entre governança e gestão. Aquela tem uma função predominantemente direcionadora, no sentido de avaliar, direcionar e monitorar, enquanto esta tem uma função realizadora/ executora, no sentido de planejar, executar e controlar.

São princípios informadores da política de governança, devendo servir de guias para as instituições atores envolvidos, a capacidade de resposta, a integridade, a confiabilidade, a melhoria regulatória, prestação de contas e responsabilidade (accoutability), e transparência. Cada princípio reflete a importância de um conjunto articulado de práticas para uma finalidade pública, que é o atingimento do bem comum.

Além dos princípios que informam todo o processo, o Decreto estabelece diversos mecanismos para uma boa governança enquanto direito do cidadão, como a liderança, a integridade, competência, responsabilidade e motivação, incluindo formas de acompanhamento de resultados, soluções para a melhoria do desempenho das organizações e instrumentos de promoção do processo decisório baseado em evidencias.

Ressalta também o Decreto, a instituição de sistema de gestão de riscos e controles internos com a finalidade de identificar, avaliar, tratar, monitorar e analisar criticamente os riscos que possam impactar a implementação da estratégia e a consecução dos objetivos da organização no cumprimento da sua missão institucional,

É de se perceber que a gestão que se vale dos institutos apresentados pela governança pública podem auxiliar positivamente os gestores municipais na busca do interesse coletivo através da prestação dos serviços públicos e implementação das políticas públicas. Sabe-se que os municípios brasileiros exercem atividades que vão além da sua capacidade administrativa e financeira. Talvez, seja esse o motivo maior para o estabelecimento de mecanismos de governança para uma gestão democrática e que traga resultados para o povo.

Não se pode mais admitir uma gestão que tenha como fundamento o amadorismo ou improviso em que as autoridades se valem da posição hierárquica-administrativa para satisfazerem caprichos ou pautas que não estão em consonância com a vontade da população.

Nesse sentido, a gestão municipal deve ter o compromisso de fomentar atividades e encontrar soluções para os problemas reais, sempre buscando satisfazer ou concretizar uma outra realidade. Parece algo óbvio, mas nem sempre é assim entendido.   

Sendo assim, é importante que o poder local esteja em sintonia com os anseios da população e seja avaliado pela entrega e geração de valor que desenvolveu ao longo do tempo.

Além disso, é mais do que necessária a qualificação dos nossos atores políticos (prefeitos, secretários municipais, vereadores, lideranças do setor privado, etc.). A boa e a força de vontade são elementos importantes para uma tentativa séria de transformação da realidade, mas não são suficientes. Para progredir é preciso conhecimento!

Portanto, a política de governança é, na medida da concretização da democracia, o aspecto fundamental para uma boa gestão das coisas públicas. Diante do cenário de complexidade da contemporaneidade e de crises econômicas, politicas e sociais, a racionalização de recursos escassos, a melhoria das politicas públicas e a efetividade da prestação de serviços públicos se tornam direitos inalienáveis do cidadão perante o Estado.


Robson Almeida
Doutorando em Ciência Política pelo ISCSP/UL, Mestre em Direito pela UNISC, Pós-graduação Processo Civil (URCA) e Gestão Pública (UECE), Secretário de Educação de Acopiara. 

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